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Especial 203 anos: ÀS ARMAS, CIDADÃOS! 1930

Nas primeiras décadas do século passado, a política no Brasil foi agitada por revoltas e levantes militares que desafiavam os governos federal e estaduais. A partir da Proclamação da República, em 1889, o Exército e a Marinha ganharam influência crescente sobre o governo federal no Rio de Janeiro, antiga Capital Federal.

Mas nas vastidões do interior brasileiro, o poder militar era dividido com as Forças Públicas estaduais. Pequenos exércitos a serviço dos governadores (na época presidentes do estado), algumas delas dispunham de armamento pesado, artilharia, cavalaria e até aviões. Havia ainda inúmeras milícias armadas a serviço dos chamados coronéis: fazendeiros e lideranças políticas locais que mantinham tropas particulares, com a tolerância dos governos, para intimidar adversários e subjugar qualquer tentativa de revolta popular.

No início dos anos 1920, a situação se agravou: parte crescente da jovem oficialidade das forças armadas começou a manifestar seu descontentamento com o governo, dando início ao movimento tenentista, que promoveria revoltas de unidades militares. Sem muita confiança na fidelidade do Exército, o governo federal necessitava do apoio de tropas estaduais até das milícias dos coronéis para sufocar os levantes. O agravamento das tensões entre os Estados somou-se à grave crise financeira de 1929, culminando na Revolução de 1930: um golpe de estado apoiado pelos militares tenentistas e por lideranças estaduais insatisfeitas que depôs o presidente Washington Luís e levou ao poder o ex-governador gaúcho Getúlio Vargas.

O levante começou no dia 3 de outubro, mas a tomada do poder pelos “revolucionários” não foi um passeio: enfrentou resistência dos “legalistas” e a peleja foi resolvida a bala em vários lugares do Brasil. O governo de Minas Gerais apoiou a Revolução e concentrou suas tropas no sul do estado: a prioridade era marchar sobre o Rio de Janeiro e conter contra-ataques dos paulistas – que enfrentavam na região de Itararé os gaúchos vindos do Sul. Com os quartéis da Força Pública esvaziados, Uberaba e as cidades do Triângulo Mineiro se viram entre dois fogos. Paulistas e goianos ameaçavam invadir a região e usar as linhas de trem da Companhia Mogiana para reunir suas tropas em apoio ao governo federal. Em dez dias a ameaça se concretizou: vindas de Igarapava, tropas da Força Pública paulista comandadas pelo major Salvador Moya cruzaram a ponte sobre o Rio Grande e tomaram de assalto a estação de Delta, já em solo mineiro.

Dispondo de poucas tropas profissionais no 4º Batalhão, restou aos uberabenses convocar os reservistas, apelar à valentia da população e aos jagunços dos coronéis. Um batalhão de voluntários foi montado e aquartelado nos galpões do Senai. Ao lado, o Grupo Minas Gerais foi improvisado em hospital de combate. Metalúrgicos locais transformaram um caminhão inglês Tornycroft 1926 em um assustador veículo blindado, sobre o qual elegantes revolucionários civis – de chapelão, lenço vermelho no pescoço e revólver na cinta – posaram para fotos na praça Rui Barbosa.

Mas no front, não havia tanto glamour. Após receber alguns reforços vindos de Ituiutaba e Tupaciguara, as tropas uberabenses se amontoaram em trincheiras barrentas junto à estação de Calafate, alguns quilômetros ao norte de Delta. Nas palavras de um combatente, “ali, segundo se esperava, ia se travar a luta decisiva. Ia ser o desfiladeiro das Termópilas, em que se dariam em holocausto por Uberaba, os espartanos de Leônidas. Mas em Calafate não há desfiladeiro (…) e os defensores de Uberaba levavam vida de cachorro. Mal armados, mal municiados, mal alimentados, metidos em buracos, sujeitos ao sol e à chuva, ali ficavam por um verdadeiro excesso de patriotismo” (Lavoura e Comercio, 18/12/1934) Felizmente, a épica Batalha de Calafate – assim como a de Itararé – nunca se concretizou. Houveram contraataques, tiroteios, mortos e feridos mas, no dia 24 de outubro, o Exército e a Marinha depuseram Washington Luiz no Rio de Janeiro. Uma semana depois tomou posse Getúlio Vargas, dando início ao seu longo governo. Paulistas e mineiros voltaram a se enfrentar na ponte de Delta em 1932. Mas essa já é outra história.

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