Especial 203 anos: A IGREJA DE PEDRA DOS DOMINICANOS 1904
Não é todo mundo que gosta do seu estilo e, para muita gente, o prédio parece uma construção inacabada. Outros se admiram com a sua beleza rústica. Impossível é ficar indiferente diante da Igreja de São Domingos, o centenário templo neogótico erguido pela congregação dos dominicanos em Uberaba na virada do século XIX para o XX. Mesmo nos dias de hoje, essa igreja construída com grossas paredes de pedra aparente impressiona por sua imponência e grandiosidade. Dá para imaginar a sensação que devia causar na Uberaba completamente sem prédios de 1904. No dia 2 de outubro daquele ano, o templo foi oficialmente inaugurado – ainda sem as duas torres e as abóbadas centrais sob a estrutura do telhado – em uma solenidade que agitou a vida pacata da cidade.
As novenas preparatórias tiveram início em 23 de setembro. Estiveram presentes na missa de inauguração, além do chefe da diocese local – Dom Eduardo Duarte – dois bispos convidados: Dom Cláudio Poncede Leão, do Rio Grande do Sul, e Dom José Lourenço, do Amazonas. Mais de 300 romeiros chegaram pelos trens da Mogiana. “As ruas da cidade, durante os dias de festa, regurgitava de povo. O vasto templo, cuja beleza arquitetônica o faz um dos primeiros desse estado, enchia-se diariamente de gente”, contou o correspondente do jornal Correio Paulistano. Missas cantadas contaram com a participação de várias bandas da cidade, do “Schola cantorum” do Ginásio Diocesano e do Coro do Rosário. Na inauguração, cantou-se o Hino Nacional Brasileiro, a Marcha Pontifical e a Marselhesa. Em 1907, o grande templo sediou a posse de Dom Eduardo, o primeiro bispo da nova diocese de Uberaba. No ano seguinte, celebrouse ali a missa de comemoração do 7º centenário da revelação de São Domingos – numa cerimônia onde teriam sido concedidas mais de 3 mil comunhões.
Fundada por São Domingos em 1216, a “ordem dos pregadores” (mais conhecidos como “dominicanos”) havia se estabelecido em nossa cidade em 1881, proveniente de Toulouse, na França. Dois anos depois, chegou por aqui o frade italiano Raimundo Anfossi, responsável pela construção do primeiro prédio do Colégio Nossa Senhora das Dores (inaugurado em 1895). Os dominicanos haviam assumido a antiga igrejinha de Santa Rita, que não conseguia acolher mais que duas centenas de fiéis nas missas de domingo – muito pouco para uma população que crescia rapidamente. Na época, a tradicional festa de Nossa Senhora do Rosário já reunia todos os anos milhares de devotos vindos de toda a região. Por isso, em janeiro de 1899, Anfossi lançou a pedra fundamental de uma nova igreja, que deveria ser capaz de abrigar entre 1200 e 1500 pessoas. O terreno para a construção, no alto da antiga Ladeira do Mercado (atual Rua Lauro Borges), foi doado pelo Comendador José Bento do Vale e por sua esposa, Francisca Teodora.
Não está devidamente documentada a autoria do seu projeto, que tem a planta da nave em forma de cruz. Sabe-se que a construção ficou a cargo do empreiteiro italiano Emilio Betti Monsagratti, já estabelecido na cidade, que teria contado com a colaboração de um engenheiro francês de nome Florent, do qual não se tem maiores informações. Segundo a pesquisadora francesa Claire Pic, autora de um trabalho sobre a missão dominicana no Brasil, “sua aparência maciça, com tijolos ou pedras expostas (…) é similar à das construções no estilo gótico. Essas obras contrastam com as que eram usuais no Brasil, onde a arquitetura dos edifícios religiosos é geralmente colonial ou neocolonial, relacionadas às origens portuguesas do país. Elas testemunham a origem dos dominicanos, por sua semelhança com o estilo de edifícios religiosos construídos durante o período medieval no sudoeste da França.”
A igreja de São Domingos introduziu algumas novidades em Uberaba, como o teto de alvenaria em forma de abóbada, feito com tijolos. Usou-se na construção das paredes uma rocha sedimentar do tipo “Limonita”, abundante na região do cerrado, onde é conhecida como “pedra tapiocanga”. Rica em óxidos de ferro, ela deu à igreja sua coloração marrom avermelhada. O trabalho de erguê-la contou com a colaboração de muitos operários e construtores locais, entre eles José Cotani. Jornais da época estimaram o custo da construção em mais de 600 contos de réis, uma pequena fortuna, que foi obtida com doações da comunidade. Uma réplica da Gruta de Lourdes foi construída, em pedra e galhos de árvores, ao lado da edificação pelo cantareiro italiano Miguel Laterza. Dentro da melhor tradição dominicana – de seguir a fé sem virar as costas à ciência – quatro para-raios foram especialmente encomendados e instalados antes da inauguração.
Durante cerca dez anos, o templo funcionou sem as duas torres que, previstas no projeto original, só foram concluídas em 1914. Tinham a estrutura e a parte inferior feitas em madeira de lei, com os telhados pontiagudos revestidos com placas de cobre importado, o que dava a elas uma coloração particular. No início da década de 1960, o interior da nave passou por uma reforma a cargo do arquiteto Carlos Millan, que restaurou o telhado e substituiu parte do piso em ladrilho hidráulico por pedra branca de Pirenópolis. Os altares de madeira foram trocados, parte do mobiliário original e das imagens antigas foram vendidos, doados ou se perderam durante essa obra.