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Turismo de fé: um dia no lar de Chico Xavier

Já dizia Chico Xavier: “Ninguém quer saber o que fomos, o que possuíamos, que cargo ocupávamos no mundo; o que conta é a luz que cada um já tenha conseguido fazer brilhar em si mesmo”.

Em Uberaba, cidade localizada no Triângulo Mineiro, Francisco Cândido Xavier se consolidou como o mais importante líder espírita do Brasil. Ao contrário do que muitos imaginam, e como indica a citação acima, ele não gostava de saber se o outro tinha riquezas materiais, mas, sim, se tinha interesse na evolução espiritual. Foi assim, em nome da caridade e do progresso espiritual dos outros, que viveu seus 92 anos neste plano.

Sua partida aconteceu em 30 de junho de 2002, dia em que a Seleção Brasileira conquistou o pentacampeonato da Copa do Mundo. Enquanto os brasileiros comemoravam a nova estrela na camisa verde e amarela, Chico nos deixava após uma parada cardiorrespiratória, na casa onde viveu e começou sua obra espiritual.

Para além dos muitos escritos que publicou, o legado de Chico Xavier continua perfeitamente palpável no local, situado à rua Dom Pedro I, 165, no bairro Parque das Américas, em Uberaba, Minas Gerais.

Casa de Memórias e Lembranças. Crédito: Brenda Viana / CORREIO

O imóvel simples transborda uma grande paz e guarda cada detalhe importante da vida que o médium levou. Logo na entrada, é possível ver muitas fotos ao lado de fiéis, admiradores, amigos e familiares. Mas, em uma salinha especial, localizada na área externa da casa azul, dá para visualizar boa parte das cartas psicografadas por Chico (ambiente chamado de ‘Correio do Além’) e até a troca de mensagens entre ele e pessoas importantes, como a pintora Tarsila do Amaral.

“Continuo melhorando com as suas orações. Desde julho de 65, estou tratando minha recuperação (que é lenta), depois de uma operação na coluna. Tenho feito grande progresso”, escreveu Tarsila, em 1967, de São Paulo.

Carta de Tarsila do Amaral para Chico Xavier. Crédito: Brenda Viana / CORREIO

MUSEU

Em outro cômodo é possível ver o quarto em que Chico Xavier dormia, orava e onde morreu. Todos os seus pertences pessoais permanecem intactos, sem nenhuma mudança. Em frente ao quarto, uma sala com a mesa e a cadeira onde ele psicografava as mensagens enviadas pelos espíritos.

Logo ao lado, em um corredor ambientado com luz azul, está a mesa com os cadernos dos encarnados e desencarnados, onde os nomes dos necessitados de oração devem ser escritos pelos visitantes.

Quarto de Chico Xavier. Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Cadeira que Chico Xavier passava parte do tempo . Crédito: Brenda Viana / CORREIO

A poucos passos dali está a sala onde ainda funciona o Culto do Evangelho do Lar do Irmão Francisco Cândido Xavier. Com a mesa branca tradicional, é no local onde são realizados os trabalhos de leitura e comentários d’O Evangelho Segundo o Espiritismo, os passes, os grupos de estudos, a reunião da Mocidade.

Em conversa com o Jornal CORREIO, o presidente municipal da Aliança Espírita de Uberaba, Nereu Alves, explica que a primeira casa que Chico Xavier fundou, a Casa Comunhão Espírita Cristã, ainda existe. Mas, o médium saiu de lá e deixou de frequentar o espaço em maio de 1975, quando fundou o grupo Espírita da Prece.

Ambiente para sessões. Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Grupo Espírita da Prece . Crédito: Brenda Viana / CORREIO

VISITANTES

Não há barreira de credo entre os visitantes da casa de Chico Xavier – não havia nem mesmo quando ele ainda estava encarnado, quando centenas de pessoas buscavam mensagens de familiares, esclarecimentos, orientações. Com a partida do médium, essa realidade aumentou. Entre janeiro e agosto de 2023, a casa de Memórias Chico Xavier recebeu 23.017 visitantes, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação de Uberaba.

A residência é particular, então, apenas o filho de Chico toma conta do imóvel, seja para cuidar da manutenção ou para receber os fiéis que vão para as reuniões da mesa branca, que acontece às terças, quintas e sextas, a partir das 19h30. Não há limite de pessoas para quem tem fé e precisa de uma resposta vinda do mundo espiritual.

Entre os presentes, além dos espíritas, há uma abundância de seguidores da umbanda e candomblé. “Não sei precisar números, mas era com maior quantidade quando Chico ainda estava encarnado. Mas, continuam vindo pessoas que são de outras religiões para conhecer”, explica Nereu.

Conforme o Centro Demográfico de 2010, em Salvador, 86.484 mil pessoas seguem o espiritismo divulgado por Chico Xavier. Já a umbanda e o candomblé somam juntos 28.019 seguidores na capital baiana. No estado, são 551 centros espíritas espalhados pelos 417 municípios, segundo a Federação Espírita do Estado da Bahia. Filtrando para a capital, há cerca de 202 centros espíritas.

Relato pessoal

Para quem frequentou igreja católica, evangélica e passou pelo espiritismo durante anos, sendo da umbanda atualmente, eu compreendi que a fé ultrapassa barreiras. A paz que existe na casa de Chico Xavier, sem falar do silêncio que toma conta de todos os cômodos do espaço, é possível compreender o quanto o médium gostava de ficar isolado e poder ler os livros sobre espiritismo.

Foi como poder mergulhar em um oceano de serenidade, espiritualidade, sentir a energia que ele emanava, com amor, positividade, paz. Mesmo com a casa sendo bastante simples, modesta, a sensação de acolhimento toma conta de cada cômodo.

Os objetos acabam se tornando bem significativos e profundos, com um clima de casa de vó do interior em que a gente passa as férias escolares. Cada móvel, cada livro, cada objeto parece ter absorvido a energia de anos de preces e trabalho altruísta.

Mesmo com a intolerância religiosa ainda pairando pelo mundo todo, principalmente circulando entre as religiões de matriz africana, o espaço consegue ir além das barreiras dogmáticas. Uma energia de fé absurda envolve cada ambiente. Sem preconceitos, sem olhares estranhos, apenas a calmaria de ser aceito por quem é.

Chico Xavier, embora profundamente ligado à doutrina espírita, sempre respeitou e acolheu aqueles que seguiam outras tradições, principalmente envolvendo religiões de matrizes africanas, que sofrem bastante com o preconceito vindo de boa parte da sociedade.

Ao sair da casa dele, a sensação de paz permanece, mostrando que aquele ambiente era, de fato, sem energia negativa, zero preconceito, focado em servir ao próximo, sem olhar a quem, sem julgar pela orientação sexual, cor, religião ou bens financeiros. A maior riqueza, para Chico, era que a pessoa fosse rica espiritualmente. E é assim que você se sente ao dizer tchau para a casa azul mais tranquila de Uberaba.

Chico Xavier e Divaldo Franco

Além de ter contribuído com a sua mediunidade, Chico Xavier também era um homem elogiado pelo seu lado humano, que prezava a caridade, a ajuda aos necessitados. Sem espaço para a intolerância religiosa, Chico acreditava que todas as religiões poderiam levar as pessoas a Deus, enfatizando sempre que cada crença era particular de cada um, mas o amor por Cristo era único.

Seu compromisso com o amor e a compaixão, além da simplicidade em viver com pouco, mas ser rico de espírito, o tornou o maior e mais conhecido médium do Brasil. Com sua ausência, o baiano Divaldo Franco, com quem trocou cartas durante parte da vida, passou a ocupar esse lugar.

No livro Sexo & Consciência (2013), Franco explica como conheceu Chico: “Eu era muito presunçoso e inexperiente. Escrevi uma carta com todos os ingredientes daquela literatura formal que é utilizada quando nos dirigimos a uma autoridade: “Excelentíssimo Senhor Francisco Cândido Xavier, etc. e tal…”. E o apóstolo da mediunidade respondeu à carta em tom bastante simples e amoroso: “Meu querido Divaldo (…). Fiquei tão curioso com a sua carta! (…)”. Era uma verdadeira antítese do texto que eu redigira. A partir daí ficamos amigos e nos correspondemos diversas vezes”.

Em outras cartas trocadas durante meses, Chico contou que já tinha conhecido Divaldo através dos espíritos – só estiveram fisicamente próximos em março de 1948. Admirador do trabalho de Chico, Divaldo aproveitou cada momento ao lado do amigo de cartas, e começou a dialogar sobre os assuntos que estavam pairando em sua cabeça, como sobre sexo.

“Naquela época eu estava com 21 anos de idade, experimentando o ardor das energias sexuais em pleno vigor e não sabendo ao certo como me comportar. Eu era um jovem que havia abraçado o Espiritismo com os rigores positivos que esta Doutrina imprime naqueles que procuram solução para os desafios da existência planetária. (…) Quando eu me tornei espírita ainda guardava a concepção de que o sexo era sujo, imoral e pecaminoso. Podemos facilmente imaginar o que era a mente ansiosa de um jovem como eu, que ao abraçar a mediunidade desejava trilhar com segurança e com respeito os caminhos difíceis da exemplificação. E naturalmente temia deixar-me dominar por dolorosos conflitos. Mas agora, que eu estava ao lado de Chico Xavier, tinha a oportunidade de receber os esclarecimentos de que necessitava”.

A relação entre os dois médiuns não teria sido só de paz. Em matéria exibida em fevereiro de 2004, no Fantástico, um escândalo tomou conta dos moradores de Uberaba, que ficaram surpresos com um possível caso de plágio por parte de Divaldo Franco em uma carta psicografada. A missiva, escrita em 10 de junho de 1962 por Chico Xavier para um amigo, dizia que uma carta captada por ele estava sendo plagiada por Divaldo Franco. Segundo a reportagem, uma cópia do material teria sido deixada, 40 anos depois da data registrada no papel, na portaria da Rede Integração, afiliada da Rede Globo em Uberlândia.

A carta escrita pelo médium mineiro, na qual afirma ter sofrido plágio de Divaldo, teria sido deixada com o advogado, jornalista e amigo de Chico, Jarbas Varanda, que morreu em outubro de 2003. Seu filho, Leonel Varanda, herdou a tal carta, mantida em segredo até então por Jarbas.

Com essa informação vindo à tona na época, um grupo de médiuns investigou o caso e, durante meses, houve comparações das mensagens psicografadas por Chico com as obras divulgadas por Divaldo, chegando à seguinte conclusão: “Tudo levava a crer que era plágio mesmo. Do ponto de vista literário é plágio inegavelmente”.

Em resposta ao Fantástico, o médium baiano negou todas as denúncias feitas na época, garantindo que foi uma coincidência:

“O espiritismo explica que uma mensagem tem valor quando ela é recebida por diversos médiuns sem que eles tenham contato uns com os outros. Isso se chama ‘universalidade do ensinamento’. E eu psicografei essas mensagens sem nunca haver copiado ou me louvado em qualquer uma delas. À época, eu lia as mensagens do Chico Xavier como todos os brasileiros espíritas. Líamos com muito ardor, com muito interesse. Era natural, pois ele era o nosso líder. Se houve realmente qualquer manifestação de identidade, deve ter sido ou traição do inconsciente ou um fenômeno de corroboração”.

VISITAS

A Casa de Memória e Lembranças Chico Xavier tem visitação aberta de segunda a sexta, das 8h às 11h / 13h às 16h. Aos sábados, das 8h às 12h. O local só fecha aos domingos e feriados. Telefone para contato: (34) 3336-5967.

De acordo com Nereu Alves, o presidente municipal da Aliança Espírita de Uberaba, não há um período que seja o melhor para visitar, mas há ressalvas. ”Tem as datas que comparecem um maior número de excursões, como os feriados prolongados, datas comemorativas, aniversários de nascimento e desencarnação do médium”, explica.

Já o mausoléu, que fica em Uberaba, é o local que mais recebe visitas, depois da casa de Chico. Em frente ao grupo Espirita da Prece tem um busto do médium. Em outra praça no Centro de Uberaba tem outro busto do espirita que a prefeitura dedicou ao Chico.

MEMORIAL CHICO XAVIER

Memorial Chico Xavier. Crédito: Site / Memorial Chico Xavier

Segundo o Secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação de Uberaba, Rui Ramos, a prefeitura já está coordenando toda a reforma do Memorial Chico Xavier. O local deverá ser entregue em abril de 2024.

Aberto ao público em 2016, o Memorial teve de fechar para passar por uma revitalização. No local, as pessoas podiam visitar a exposição sobre a vida do médium com uma tecnologia única e simples, assim como o próprio Chico.

No entanto, há também iniciativas de parceria para continuar com o trabalho. Pessoa física pode fazer doação direta ou Via Lei Federal de Incentivo à Cultura, ajudando no abatimento no imposto de renda em 100% do valor doado.

Para mais informações, basta acessar o site oficial ou o perfil do Instagram .

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